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EDUCAÇÃO ROMÂNTICA

 

Transcrição de partes do trabalho elaborado por:

Iuri Andréas Reblin - Escola Superior de Teologia

 

Educação: educador em extinção

 

Para Rubem Alves, os educadores estão em via de extinção, ultrapassados pela funcionalidade frenética do mundo contemporâneo. Em seu lugar, surgiram os professores, ao serviço da lógica de mercado, cuja meta é a utilidade e a produção, no qual os alunos são máquinas a serem programadas e a serem definidas pelas suas habilidades: “a identidade é engolida pela função”.

 

Professores, há aos milhares. Mas professor é profissão, não é algo que se define por dentro, por amor. Educador, ao contrário, não é profissão; é vocação. E toda vocação nasce de um grande amor, de uma grande esperança”.

 

Educação: dilema entre utilidade e inutilidade

 

A educação não deve atrofiar-se no princípio da utilidade social do saber, negando ou minimizando o corpo das crianças – isto é, suas aspirações, interesses – e o estímulo da sabedoria, a vinculação do conhecimento com a vida. O conhecimento precisa estar vinculado à vida do educando. E, na infância, isso significa deixar a criança ser criança, sem projetar nela o adulto que ela deve ser, ou incutir e projetar sonhos dos adultos, visando o bem funcional da sociedade. Educar é despertar a sensibilidade artística, o espírito comunitário, valorizar a diversidade e relativizar o status elevado atribuído à pureza da ciência.

 

     “Há muitas escolas que não passam de jacarés. Devoram as crianças em nome de rigor, de ensino apertado, de boa base, de preparo para o vestibular. É com essa propaganda que elas convencem os pais e cobram mais caro...”.

 

     “Escolas jacarés, que as crianças têm de frequentar, e quando começam a demonstrar sinais de pavor frente ao bicho, tratam logo de dizer que o bicho vai muito bem muito obrigado, que é a criança que está tendo problemas, um foco cerebral com certeza, neurologista, psicólogo, psicanalista, e os pais vão, de angústia em angústia, gastando dinheiro, querendo o melhor para o filho...”.

 

A tarefa da educação é conduzir à liberdade; mais que isso, ela precisa acontecer simultaneamente à liberdade desejada. Para que os educandos possam avaliar o que lhes é ensinado e pôr esse saber em diálogo com sua vida e em função da busca de soluções para seus próprios problemas, é necessário que eles possam pensar por si mesmos.

 

     “A escola tradicional, mesmo aquela supostamente modernizada, ainda não se deu conta de que sua função primordial é ensinar o aluno a pensar e a descobrir onde ele pode encontrar a resposta para as perguntas que ele tem”.

 

Educação: exercício da liberdade

 

Para que os educandos aprendam a pensar, a escola precisa ser um ambiente amigável, instigar a curiosidade e o interesse dos alunos. As crianças têm que sentir prazer em descobrir o mundo a sua volta. Elas precisam ser estimuladas a imaginar, a criar. Educar é buscar uma visão do todo; não apenas o intelecto, mas também a sensibilidade e os sentidos.

 

Considerações sobre Interdisciplinaridade

 

A ciência nada mais é que uma progressão do senso comum e que este, por sua vez, é antes uma expressão criada por aqueles que dominam e intentam dominar hierarquicamente o saber.

 

     “Imagine um pianista que resolva especializar-se na técnica dos trinados apenas. O que vai acontecer é que ele será capaz de fazer trinados como ninguém – só que ele não será capaz de executar nenhuma música. Cientistas são como pianistas que resolveram especializar-se numa técnica só. Imagine as várias divisões da ciência – física, química, biologia, psicologia, sociologia – como técnicas especializadas. No início pensava-se que tais especializações produziriam, miraculosamente, uma sinfonia. Isso não ocorreu. O que ocorre, frequentemente, é que cada músico é surdo para o que os outros estão tocando. Físicos não entendem os sociólogos, que não sabem traduzir as afirmações dos biólogos, que por sua vez não compreendem a linguagem da economia, e assim por diante”.

 

     “A especialização pode transformar-se numa perigosa fraqueza. Um animal que só desenvolvesse e especializasse os olhos se tornaria um gênio no mundo das cores e das formas, mas se tornaria incapaz de perceber o mundo dos sons e dos odores. E isso pode ser fatal para a sobrevivência”.

 

O problema não é a especialização do conhecimento em si, mas sim as consequências que o processo da especialização pode ocasionar. O desafio não é saber mais sobre um único tema ou objeto, mas a capacidade de reconhecer outros saberes como equitativos e de estabelecer um diálogo com eles, buscando uma visão holística.

 

     “O senso comum e a ciência são expressões da mesma necessidade básica a necessidade de compreender o mundo, a fim de viver melhor e sobreviver”.

 

O acúmulo de saberes e a divisão entre mais ou menos importantes, entre categorias distintas (biologia, física, pedagogia) atrapalha a perceção de um todo.

 

     “Ser bom em ciência, como ser bom no senso comum, não é saber soluções e respostas já dadas. [...] Ser bom em ciência e no senso comum é ser capaz de inventar soluções”.

 

É imprescindível que o conhecimento seja compreendido de forma integral e que vise, a partir da interação e da compartilha a criação de algo novo, em prol da qualidade de vida e da vida humana.

 

Por uma Educação Romântica

 

Há necessidade de que o currículo escolar seja determinado pela vida e pelos desafios que surgem ao ser humano ao se relacionar com o Umwelt – o mundo ao redor.

 

     “O sujeito da educação é o corpo porque é nele que está a vida. É o corpo que quer aprender para poder viver. É ele que dá as ordens”.

 

O corpo não é entendido aqui meramente como uma unidade biológica, mas como uma unidade sóciocultural, ideológica, religiosa, psicológica, i.e., o ser humano em toda a sua integridade, partindo de sua existência e de sua realidade concreta, do seu Umwelt. Em outras palavras, o conteúdo escolar precisa ter um vínculo direto com o dia-a-dia, tem que ajudar a resolver problemas concretos (exemplo: ir para o supermercado praticar matemática), i.e., tem que ser útil e tem que abarcar o ser humano como um todo. Ou seja, não se trata apenas de ensinar técnicas, ciências exatas, mas igualmente a arte, a música, o teatro, etc.

 

Segundo Rubem Alves, a escola deve ser um ambiente que estimule a liberdade.

 

     “Há escolas que são gaiolas. Há escolas que são asas. Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do voo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. [...] Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o voo”.

 

     “Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são os pássaros em voo. Ensinar o voo, isso elas não podem fazer, porque o voo já nasce dentro dos pássaros. O voo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado”.

 

Diante dos desafios da realidade escolar (violência, desrespeito, medo de professores, os programas e avaliações predeterminados, etc.) Rubem Alves pergunta pela qualidade no ensino, apontando para a necessidade do vínculo entre saber e vida. E, nesse sentido, então, ele assevera:

 

      “Nisso se resume o programa educacional do corpo: aprender “ferramentas”, aprender “brinquedos”.

 

      “Ferramentas” são conhecimentos que nos permitem resolver os problemas vitais do dia-a-dia. “Brinquedos” são todas aquelas coisas que, não tendo nenhuma utilidade como ferramentas, dão prazer e alegria à alma”. [...] Ferramentas e brinquedos não são gaiolas. São asas. Ferramentas me permitem voar pelos caminhos do mundo. Brinquedos me permitem voar pelos caminhos da alma”.

 

Escolas enquanto asas refletem a educação como aquilo que vai impulsionar o ser humano, adultos, crianças, a ir além, a poder caminhar sozinho, pensar pensamentos próprios, buscar seus próprios sonhos, ao invés de ser uma simples engrenagem no sistema burocrático-mercantilista. A escola é aquele que ensina a “voar”. E voo se estimula ensinando a ver: ver o mundo que está ao redor; ver o assombro na natureza e ter a capacidade de se deixar surpreender-se, de maravilhar-se.

 

     “O fato de gastarmos horas na contemplação das imagens banais e grosseiras da televisão e de não gastarmos nenhum tempo comparável na contemplação dos assombros da natureza é uma indicação do ponto a que a nossa cegueira chegou”.

 

A inteligência precisa ser despertada. E ela só desperta se aguçada pelo desconhecido e pela curiosidade. Se aquilo que o professor mostrar for monótono e chato, a inteligência continuará adormecida. O desconhecido e o curioso não são abstrações ou ideias ou aquilo que só é visto literalmente. A inteligência é despertada pelo toque.

 

      “Na minha experiência, a inteligência começa com as mãos. As crianças não se satisfazem com o ver: elas querem pegar, virar, manipular, desmontar, montar”.

 

Para Rubem Alves

 

     “Educação se faz com inteligência”.

 

     “É um equívoco pensar que com mais verbas a educação ficará melhor que os alunos aprenderão mais, que os professores ficarão mais felizes”.

 

      “É necessário quebrar os paradigmas desfasados que moldam o ensino no país. Educar não é programar, mas preparar pessoas para viver melhor. E viver melhor não significa portar todos os tipos de conhecimentos, mas ter a capacidade de pensar e, desse modo, ir além dos limites estreitos da repetição, da rotina, do jogo de perguntas e respostas programadas sem vínculo com o dia-adia, como se, igualmente, existisse uma alternativa única para cada problema. Portanto, além de ensinar a ver, educar consiste em ensinar a pensar e em ensinar a inventar”.

 

Rubem Alves ainda versa sobre a necessidade de educadores se disporem a aprender com as crianças e a necessidade de eles se envolverem com o que ensinam e de como ensinam.

 

     “Eu penso a educação ao contrário. Não começo com os saberes. Começo com a criança. Não julgo as crianças em função dos saberes. Julgo os saberes em função das crianças. É isso que distingue um educador”.

 

Ao afirmar que não são as pessoas que devem estar em função dos saberes, mas que são justamente os saberes que devem estar a serviço das pessoas, Rubem Alves defende saberes e currículos flexíveis. Os modelos de ensino e os currículos devem estar abertos para aquilo que a criança tem vontade de saber ou para aquilo que vai alimentar sua curiosidade e despertar sua inteligência.

 

Ao vincular o saber com a realidade da criança e colocá-lo na perspetiva da criança e de seus interesses, o educador está instigando a criança ao pensamento e à imaginação. O pensamento e a imaginação não são fragmentados no dia-a-dia, pois eles lidam com a pluralidade de informações, escolhas, experiências que a criança está continuamente vivenciando. A ausência de contato do saber com a vida do aluno e o desvinculo do saber com a própria multiface que ele e os desafios e os problemas possuem desestimulam a aprendizagem e o interesse por determinados conhecimentos.

 

     “Especialmente os adolescentes, movidos pela inteligência da contestação, perguntam sobre o sentido daquilo que têm de aprender. Frequentemente os professores não sabem dar respostas convincentes. “Para que aprender o uso dessa ferramenta complicadíssima se não sei para que serve e não vou usá-la?”. A única resposta é: “Tem de aprender porque cai no vestibular” – resposta que não convence por não ser inteligente mas simplesmente autoritária”.

 

Na direção do vínculo entre conhecimento e vida, está a interdisciplinaridade. Um dos desafios que Rubem Alves lança para a prática interdisciplinar é justamente a provocação a favor do próprio exercício da interdisciplinaridade na prática pedagógica.

 

Para Rubem Alves a interdisciplinaridade precisa estar incorporada já no Projeto Educativo (PE) da instituição, considerando que a educação visa, em primeira instância, preparar as pessoas para elas terem uma vida melhor. E viver melhor não significa dominar técnicas expoentes no mercado de trabalho atual, mas ter a capacidade de ver, pensar e inventar.

 

     “Porque é com o pensamento que se faz um povo”.

 

Para Rubem Alves a interdisciplinaridade precisa ser exercida no dia-a-dia da vida escolar. Para Rubem Alves isso pode ocorrer a partir da educação da sensibilidade, do vínculo entre os saberes e entre os saberes e a vida da criança e do adolescente e do adulto.

 

A escola tem a tarefa de ajudar o aluno a encontrar a sua “caixa de ferramentas” e a sua “caixa de brinquedos”, conhecimentos de utilização e de fruição.

 

A interdisciplinaridade prima pela interconetividade dos saberes. Ao fazer isso, ela acaba desmantelando a hierarquia dos mesmos e colocando em xeque a absolutização de determinadas visões da realidade, defendendo a provisoriedade, a precariedade e a pluralidade do saber humano.

 

O ponto central do pensamento de Rubem Alves expresso em “Por uma educação romântica” se resume ao triângulo:

VER – PENSAR – INVENTAR.

 

O objetivo elementar da educação é a aprendizagem da arte de ver, da arte de pensar e da arte de inventar. Não se trata de apenas educar a sensibilidade do educando e educar o olhar ao mundo que o cerca. É preciso compreendê-lo.

 

     “Compreender é ver o invisível”.

 

     “Com a caixa de ferramentas e a caixa de brinquedos os seres humanos não só sobrevivem, mas sobrevivem com alegria. A caixa de ferramentas, sozinha, produz poder sem alegria. Vida forte mas vida boba, sem sentido. Os seres humanos ficam embrutecidos. O conhecimento, sozinho, é embrutecedor. A caixa de brinquedos, sozinha, está cheia de prazeres e alegrias. Mas os prazeres e alegrias, sozinhos, são fracos. E a vida, sem poder, é vida fraca, incapaz de responder aos desafios práticos da sobrevivência. E vem a morte. Sábio é aquele que possui as duas caixas... O homem sábio planta hortas – coisas boas para comer e viver – e planta jardins – coisas boas de ver, cheirar, degustar...”.

 

A caixa de ferramentas e a caixa de brinquedos, os conhecimentos científicos e os conhecimentos artísticos, os conhecimentos racionais e os conhecimentos emocionais, não necessariamente numa distinção muito nítida, funcionam pelo eixo:

VER – PENSAR – INVENTAR.

 

A visão, o pensamento e a imaginação precisam ser despertadas, para que o educando veja, pense e invente para além do comum, do rotineiro, do ordinário, do usualmente programável pelos sistemas padronizantes de ensino.

 

Ao considerar esse eixo triplo como base epistemológica e prática da educação, Rubem Alves põe a interdisciplinaridade (e até a transdisciplinaridade) no eixo motriz da educação enquanto área do saber e enquanto princípio social.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Rubem Alves põe em xeque as antigas estruturas de pensamento e de ensino ao insistir num ensino flexível, vinculado à realidade do educando. Para Rubem Alves os saberes não são o centro das atenções, mas sim a vida, isso significa que o conhecimento deve atuar junto e a favor das necessidades concretas das crianças (ou dos educandos) – Prática pedagógica.

 

Rubem Alves propõe da interdisciplinaridade visando tornar as pessoas mais críticas e donas de uma visão ampla, plural do conhecimento, da sociedade, da realidade, da vida.

 

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publicado às 21:58


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